PODCAST Trilhas Amazônicas– Episódio 4 – Tecnologia e Biodiversidade
VINHETA: Trilhas Amazônicas
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EPISÓDIO 3: Tecnologia e Biodiversidade
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RAFAEL: O canto dos pássaros. A vibração da onça-pintada ao caminhar pela mata. A comunicação entre os peixes-boi na profundeza dos lagos. No interior da Amazônia, sons da floresta funcionam como uma orquestra filarmônica. Mesmo ouvidos destreinados conseguem perceber a sinfonia.
EMILIANO: O que a gente tem nesse sistema é um estabelecimento de uma medição de base sobre a diversidade acústica dos animais na reserva e nos outros pontos da Amazônia. Então, o que esse sistema gera de maneira automática é um sistema de alerta, porque a gente, com ele, estabelece um padrão de maneira muito rápida, um padrão acústico daquele local, e qualquer mudança nesse padrão a gente consegue detectar. Então, acho que uma boa analogia que eu gosto de fazer é a seguinte, pensa numa filarmônica, né, numa orquestra. Você escuta aquela orquestra, você sabe que tem uma diversidade de sons na música. Mesmo você sendo leigo e não sabendo o que é um violino, o que é um oboé, o que é um saxofone, né, sem saber o que é um violão, então se você escutar a orquestra você entende que tem uma diversidade de sons ali. Se você começa a tirar instrumentos e simplificar a orquestra, mesmo sem saber os instrumentos, você consegue dizer que está simplificando a orquestra, né? A diversidade de sons vai diminuir. Então, mesmo que a gente não identifique todas as espécies, a gente está escutando a orquestra completa, né. A gente sabe que tem uma diversidade de instrumentos. Quando a gente começar a tirar os instrumentos, você vai detectar isso.
RAFAEL: A analogia entre a música e a biodiversidade amazônica é do biólogo carioca Emiliano Ramalho, que mora há mais de duas décadas na floresta.
EMILIANO: Meu nome é Emiliano Sterce Ramalho, eu sou diretor técnico científico do Instituto Mamirauá. O Instituto está localizado em Tefé, no interior do estado do Amazonas.
RAFAEL: Mas deixa eu me apresentar também. Eu sou Rafael Cardoso, repórter da Agência Brasil. Nesta série de podcasts, estamos trazendo os desafios e soluções encontradas por diversos setores para salvar a Amazônia em meio à crise climática e, por consequência, prolongar as condições para a vida humana no planeta. Já falamos do turismo, de pesquisas que revelam histórias invisíveis e da sociobioeconomia. O tema de hoje é como a tecnologia tem ajudado a monitorar a biodiversidade e os efeitos do aquecimento global.
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RAFAEL: Voltando ao Instituto Mamirauá, ele é vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. O Emiliano começou a trabalhar com monitoramento de bichos nos anos 2000, com a contagem do pirarucu.
EMILIANO: Pirarucu é uma tecnologia. A gente pensa em tecnologia, a gente pensa sempre em high-tech, de hardware, software, câmera. Só que a tecnologia social do monitoramento do pirarucu é talvez o melhor exemplo que a gente tem de tecnologia baseada em conhecimento tradicional e aliada a conhecimento científico de monitoramento da biodiversidade.
RAFAEL: Lembrando que o pirarucu é um peixe amazônico gigante, que está em risco de extinção. Depois, o biólogo se tornou um dos maiores especialistas em onças-pintadas, principalmente em ambientes de várzea. E hoje, o trabalho envolve monitorar toda a biodiversidade do Mamirauá, a primeira Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Brasil.
EMILIANO: Eu criei o grupo de pesquisa em monitoramento e conservação da onça-pintada. E aí eu trabalho com armadilha fotográfica e com colares de telemetria. E aí depois, eu crio, em parceria com o Michel André, em 2016, o projeto Providence, justamente para desenvolver uma tecnologia para monitoramento de biodiversidade, onde a ideia é integrar análise automatizada de som e imagem pra identificar em tempo real as espécies amazônicas e criar um sistema regional, né, sistema amazônico de monitoramento de biodiversidade. Hoje a gente tem uma rede de sensores com mais de 40 sensores espalhados na Amazônia que estão realizando monitoramento 24 horas por dia, sete dias por semana.
RAFAEL: Nesse caso, os aparelhos high tech são essenciais, já que a simples presença humana interfere no comportamento dos animais.
EMILIANO: O que a tecnologia, né, todas elas que eu descrevi, desde câmera, até colar, ela permite a gente observar um nível de comportamento e um número de espécies que é impossível observar sem a tecnologia. Quando a gente fala de som, a gente fala de observar os bichos se comunicando dentro d’água, né. Quando a gente fala de colar, a gente fala de ficar observando uma onça com um filhote que a gente não conseguia observar antes. Quando a gente fala com imagem, a gente está vendo o comportamento dos bichos que é impossível ver se você não tiver a tecnologia. Porque quando você vai andar atrás do bicho, mesmo que você consiga ver o bicho, o bicho está mudando o comportamento porque você está lá. Então, muda completamente a perspectiva de observar a ação dos bichos. Ela não exclui a necessidade muitas vezes de ter o ser humano indo em campo, mas ela é o nosso sétimo sentido, aí, né, porque ela permite a gente ter uma percepção que seria impossível só com os equipamentos naturais que a gente tem, né.
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RAFAEL: Uma outra forma de entender as dinâmicas climáticas da Amazônia é olhar para árvores e vegetações nas áreas que inundam com as cheias dos rios.
THIAGO: É tudo muito novo, essa é a primeira vez que essa tecnologia está sendo usada nas florestas inundáveis da Amazônia. Então, a gente ainda não tem muitas respostas, mas uma grande questão que a gente quer responder é, por exemplo, se fala muito nessa questão dos tipping points, né, dessas transições na Amazônia, de que a Amazônia poderia virar uma floresta seca, né, e nunca mais voltar a ser uma floresta úmida. Mas isso é considerado puramente pelo ponto de vista das florestas terrestres, de terra firme, né, o que vai acontecer por causa de mudanças das chuvas, da elevação da temperatura. Mas e aí, o que vai acontecer com essas florestas inundáveis?
RAFAEL: São novos caminhos percorridos pela ecologia digital.
THIAGO: Thiago Sanna Freire Silva, cientista e professor sênior da Universidade de Stirling, no Reino Unido.
RAFAEL: O foco principal do trabalho do Thiago está em entender como mudanças na hidrologia, ou seja, no nível da água durante secas e cheias, afeta o ecossistema.
THIAGO: Então, por exemplo, se a gente começar a ter secas muito intensas, a princípio isso poderia ser uma coisa melhor, porque quando as árvores estão inundadas, elas geralmente param de crescer. Isso é uma dificuldade pra elas. Então, elas têm mecanismos pra aguentar a inundação, mas elas vão crescer mesmo, se desenvolver, quando as águas baixam, porque elas estão fora d’água, né. Então, se a gente começa a ter secas maiores, inicialmente você poderia pensar, poxa, isso vai beneficiar essas florestas. Porque elas vão ficar fora d’água mais tempo, né? Mas, ao mesmo tempo, por causa de aumento de temperatura, pode ser que justamente durante essa época de pouca chuva, quando as águas descem, aí falte água. E aí essas árvores vão estar estressadas, então, por causa da seca, igual as árvores de terra firme. E aí elas vão ficar numa situação muito difícil, porque elas não podem crescer quando elas estão inundadas, mas elas também não podem crescer quando elas estão fora d’água, porque vai ter uma seca muito intensa. Então elas podem ser ainda mais vulneráveis do que as florestas de terra firme, ao que a gente está vendo de mudanças climáticas.
RAFAEL: No atual cenário, em que esses fenômenos se tornaram mais extremos, a visão analítica ampla ganha o reforço da tecnologia light detection and ranging, o Lidar, para escanear grandes extensões da floresta. Lembram do Lidar, né? Falamos dele no episódio dois, que trouxe histórias invisíveis que pesquisadores estão revelando na Amazônia. Naquele caso, o sensor preso a um avião que emite lasers para mapear as áreas e gerar cenários em 3D está mostrando sítios arqueológicos escondidos sob a densa floresta. Aqui, Thiago explica que a análise ajuda a entender os padrões macroestruturais de funcionamento da floresta.
THIAGO: A minha parte do trabalho é usar principalmente a tecnologia, que é essa varredura a laser, né, o Lidar scanning, que a gente fala. Lidar é Light Detection Ranging. E com esses sensores eles emitem feixes laser e a gente consegue recriar a estrutura da floresta em três dimensões. Então a gente captura exatamente como a floresta está naquele momento e a gente pode usar isso para comparar, por exemplo, como é que diferentes áreas que ficam inundadas por diferentes tempos, tem árvores maiores ou menores, ou copas mais densas ou menos densas, mais complexas, menos complexas. Então a gente consegue, comparando áreas que são inundadas com durações diferentes atualmente, e a duração da inundação muda no futuro por causa desses eventos extremos ficando muito comuns, o que a gente esperaria que vai acontecer então com a estrutura da floresta, nesse caso.
RAFAEL: Diante do ritmo acelerado de impactos e prejuízos ao ecossistema, é preciso pensar primeiro em adaptações, antes de vislumbrar qualquer possibilidade de regeneração ambiental.
THIAGO: A gente não tem como frear, não existe como frear, pela magnitude, pela velocidade de como está acontecendo. Só o que a gente pode fazer é se adaptar. Então, o que a gente espera é pelo menos entender o que está acontecendo e conseguir prever com antecedência como essas mudanças vão se acumular ao longo de algumas décadas. E isso pode ajudar a gente a ter estratégias melhores de como preservar essas florestas, as pessoas que vivem e dependem desses ambientes vão ter que se adaptar, porque isso tem influência na pesca, isso tem influência no turismo, na biodiversidade e até na própria subsistência dos povos ribeirinhos, que dependem desse ciclo de inundação. Então, isso é uma coisa que talvez as pessoas tenham que acordar, é que não tem como frear as mudanças climáticas. Faz décadas já que está todo mundo falando que isso tem que ser reduzido e não é reduzido. A gente chegou num ponto agora que a inércia vai levar o sistema pra essa nova situação. O que a gente tem que fazer é entender como lidar com essa situação da melhor maneira possível, né, e tentar não deixá-la pior do que ela já tá nesse momento.
RAFAEL: Ao rastrear a saúde das zonas úmidas durante anos, o cientista distingue as áreas que precisam ser protegidas antes que os danos se tornem irreversíveis. Enquanto há estudo, há esperança. Mas não é fácil.
THIAGO: Um dos grandes desafios hoje em dia, tanto para a conservação como para a restauração, é se você conserva ou restaura pensando no ambiente presente, daqui a algumas décadas esse ambiente não é mais o mesmo. E aí as espécies que você escolheu, os lugares que você escolheu preservar, não são mais ideais. Então, acho que uma das coisas que essa previsão é muito importante é para a gente escolher áreas que a gente possa proteger, que vão ter as espécies que a gente espera proteger no futuro, e não só agora, e também, se a gente pensar em regeneração e restauração, que áreas que a gente pode recuperar ou quais espécies a gente teria que usar para recuperar essas áreas, sabendo que a hidrologia mudou e como é que isso é feito.
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RAFAEL: Saindo das áreas inundadas, vamos para as alturas verificar como os sinais do desmatamento e da crise climática são percebidos no ar.
LUCIANA: Eu sou a Luciana Gatti, cientista do Inpe, coordeno o Laboratório de Gases de Efeito Estufa no Inpe, e sou especializada em fazer coleta com a avião na Amazônia pros gases de efeito estufa.
RAFAEL: Luciana é química e trabalha no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Desde 2003, ela atua na área de mudanças climáticas, com foco no papel da Amazônia na emissão e absorção de carbono.
LUCIANA : O que nós aprendemos aqui, é uma sequência de mais de mil coletas usando avião na Amazônia ao longo desse período. O aviãozinho, ele vai nesses quatro pontos. O avião começa em cima e aí ele coleta em várias alturas e a gente depois pode calcular as emissões de carbono ou metano ou N2O ou CO. E aparece o perfil vertical, que a gente chama, essa coleta em várias alturas. Acima de zero, nós estamos falando de emissão. Abaixo de zero, nós estamos falando de absorção, remoção de carbono da atmosfera. E vocês podem ver que nessas quatro regiões, quando a gente vai lá, a resultante, infelizmente é positiva, que fala que a Amazônia virou uma fonte de carbono.
RAFAEL: A Amazônia virou fonte de carbono. As análises mostram que, atualmente, a floresta emite mais gases do efeito estufa do que absorve. Mas isso varia bastante entre as quatro áreas pesquisadas.
LUCIANA: Nós temos quatro grandes áreas, vamos chamar nordeste, sudeste, noroeste, sudoeste. Se vocês olham esses números, nordeste 0,41. Para cada metro quadrado, ali é emitido por dia 0,41 gramas de carbono. No sudeste 0,32, no sudoeste 0,03 e no noroeste 0,05. O que isso quer dizer? Que tem uma discrepância gigantesca entre uma região e outra da Amazônia. Por quê? Essa foi a grande pergunta que nós percorremos atrás e que nós fomos aprendendo como esse clima funciona. Que que tá acontecendo com esse planeta, que tá ficando doido? Bom, a primeira coisa que começou a dar luz, a gente calculou quanto cada área estava desmatada. Essa que mais emite já foi 37% desmatada, até dezembro de 2018, agora tá em 38%. Essa daqui foi desmatada 28%, é a segunda que mais emite. Essa daqui, que tá quase que neutra, quase que a floresta consegue compensar tudo que as emissões humanas jogam na atmosfera, mas o desmatamento é bem menor, veja. Ele é menos da metade do que o desmatamento lá na região nordeste da Amazônia.
RAFAEL: Em outras palavras, a floresta que está sendo modificada pelo desmatamento ao redor vive em uma situação de “estresse”.
LUCIANA: Vamos lembrar do nosso código florestal? 20% é o número mágico dele. Olha esse cenário, quanta sabedoria tem nos 20%. Só que nós estamos extrapolando os 20%. E esse é todo o nosso problema. E não adianta falar: “Ah, em média a Amazônia tá nos 20%”. Tá, mas a natureza não tem essa de média. O lado leste da Amazônia, tem uma parte que tá quase 40% desmatada e outra parte que tá quase 30. E isso quer dizer o seguinte, essa parte já tá funcionando de maneira doente. Nós já estamos vendo consequências terríveis e tá influenciando já todo o resto da Amazônia e o resto do Brasil.
RAFAEL: A mudança de padrão climático também pode ser observada no regime de chuvas. Segundo a Luciana, a perda de precipitação é diretamente relacionada com o desmatamento.
LUCIANA: A gente também tá matando o clima da Amazônia. Então, elas também tão morrendo por falta de condição climática de sobreviver lá. Aí do lado oeste, que tá menos do que 20% desmatado, veja como a condição é completamente diferente. No noroeste, quase que não tem estação seca. Não é uma condição de estresse. Vamos lembrar que tá só 16% desmatado? Vamos vir aqui para baixo no sudeste da Amazônia: 17% desmatado, mas a chuva é mais de 90 mm na estação seca. Apesar de perder 20% de chuva, ainda tem uma quantidade razoável, mas por que que perdeu tanto? Porque a chuva vem do lado leste. A chuva entra pelo oceano para dentro da Amazônia. Mas como tá muito desmatado no início, já tá chegando menos chuva lá.
RAFAEL: A cientista explica que a floresta está perdendo a capacidade de regular o clima. A situação já está muito perto de um ponto onde não será mais possível consertar as coisas. O tal ponto de não retorno.
LUCIANA: Vamos olhar só durante a estação seca, que é o pior de tudo. Veja, a região sudeste é a pior região, que já subiu 2,5 graus. Só que isso é uma média de 90 dias, agosto, setembro, outubro. Eu não tô falando da temperatura máxima no pico do dia. Já foi medido na altura da copa das árvores, nessa região, uma temperatura de 50 graus. Como é que uma árvore de uma floresta tropical úmida vai sobreviver a 50 graus? Ela no mínimo para de fazer fotossíntese, hiberna, esperando chover, a temperatura amainar, e se isso se prolonga muito, ela morre. Na verdade, esse aumento nem é mais linear. Que que quer dizer isso? Que o aumento da temperatura tá andando cada vez mais rápido. Ele está acelerando. Se a gente pega quanto que aumentou a temperatura em 40 anos, quanto ela tá aumentando a cada ano e compara os últimos 20 anos, aumentou 50% o aumento de temperatura. Isso é o tal do ponto de não retorno chegando, gente. A situação da Amazônia está em emergência. O sudeste da Amazônia, deveria ser decretado estado de emergência e proibir qualquer desmatamento, fazermos um esforço gigantesco de recuperação de áreas florestais para não perder o resto da Amazônia.
RAFAEL: Claro que os impactos na Amazônia são sentidos em todo o país, com reflexos no planeta. A cientista lembra dos chamados “rios voadores”, que segundo ela, são praticamente literais.
LUCIANA: A floresta amazônica joga na atmosfera quase que a mesma quantidade de água que o Rio Amazonas joga no oceano por dia. O Rio Amazonas joga no oceano o equivalente a 20% de toda a água doce do planeta nos oceanos. É muita água. Nós estamos falando, gente, de um chafariz gigantesco, que é um rio Amazonas sendo jogado para atmosfera por dia. Isso faz toda a diferença no clima. Toda. Por quê? Porque pra água sair do estado líquido, que ela tá no solo no estado líquido, a raiz da árvore vai lá, pega aquela água e joga na atmosfera na forma de vapor. A água para sair do líquido e ir para o vapor, ela precisa receber energia na forma de calor. Então, na atmosfera, ela rouba calor de onde ela está. Por isso que quando você tá num bosque, num parque, é mais fresco. Não é só por causa da sombra da árvore, é por esse processo que a árvore tá jogando vapor de água para a atmosfera. Então, as árvores, elas estão fazendo chuva e estão reduzindo a temperatura. Na medida que se desmata, estamos reduzindo chuva e aumentando a temperatura.
RAFAEL: O cenário geral é desesperador… mas em Tefé, por exemplo, que fica na região mais preservada da Amazônia, há esperança enquanto a natureza consegue se perpetuar sozinha.
EMILIANO: Mamirauá é um local muito bem preservado, né. Então, essas espécies que eu estou descrevendo, onça, pirarucu, a gente não tem detectado mudanças de impacto, ou humano ou climático relacionado à atividade humana. Essas espécies, até o momento, têm sido bem geridas, né. A onça com baixa mortalidade ou ampla conectividade, o pirarucu a partir do manejo de base comunitária. E as outras espécies, como o sistema está implementado há poucos anos, a gente também não tem detectado grandes mudanças nos padrões. Apesar da gente ter um dado muito fino, a gente não tem nenhuma indicação de mudança dessas espécies. Mas esse tipo de sistema permitiu, por exemplo, a gente detectar os peixes-boi de maneira muito eficiente, por exemplo, dentro do lago, coisa que a gente não conseguia fazer com observação, que é muito difícil. O monitoramento acústico na água, porque o sistema também permite identificação das espécies dentro da água, né. Então, isso permitiu para a gente, por exemplo, detectar o peixe-boi com um filhote dentro do lago Mamirauá, que era uma coisa que era super difícil de observar. Fazia quase 10 anos que a gente não registrava e aí, com a análise acústica, isso permitiu a gente detectar o peixe lá dentro do lago, que é uma espécie ameaçada e tudo mais.
RAFAEL: A tecnologia tem ajudado a monitorar os ecossistemas para que eles sejam preservados, ao mesmo tempo em que difunde o conhecimento sobre ele.
THIAGO: A gente consegue ter uma ideia da situação desses ecossistemas de uma maneira muito mais rápida, ou às vezes de uma maneira remota. Então, hoje em dia, com essas tecnologias, por exemplo, de internet das coisas, e por causa da conectividade em qualquer lugar, via Starlink, via celular, você pode ter sensores monitorando a floresta em tempo real, sem você ter que estar na floresta. Especialmente porque durante os momentos de extremo climático é muito difícil você chegar nos lugares pra ver o que tá acontecendo, né? A gente consegue ver mais coisas, mais frequentemente, com mais detalhes. E às vezes à distância sem precisar estar no lugar e isso dá um poder muito maior pra gente acompanhar essas mudanças e documentar essas mudanças. E especialmente o escaneamento laser, eu acho que isso é uma oportunidade fantástica pra educação e divulgação, porque a gente pode levar um lugar como as áreas úmidas amazônicas, que são bastante remotas e que a maioria das pessoas, até mesmo no Brasil, nunca vai ter a chance de visitar. Mas a gente pode levar esse lugar até elas através de realidade virtual e experiências desse tipo para que elas conheçam e entendam o quão fascinante e o quão importante esses ecossistemas são.
RAFAEL: Será que a humanidade ainda consegue mitigar a crise climática para evitar a própria extinção? A ciência tem dado o alerta há décadas, mas o tempo está cada vez mais curto.
LUCIANA: Então vamos lá. Como reduzir emissões? Em primeiro lugar, reduzir o desmatamento, não só na Amazônia, mas também no cerrado, a produção de petróleo e não construir termelétricas, né? Esse é o principal cenário no Brasil. Em segundo lugar, como resfriar as superfícies das áreas rurais e urbanas? Em primeiro lugar, reflorestar, em segundo lugar, reflorestar, em terceiro lugar, reflorestar. Mas não com eucalipto e pinos. Reflorestar com espécies daquela região, porque são aquelas árvores que conseguem fazer aquele sistema funcionar. Observem como os estados que mais estão sofrendo eventos extremos são Rio Grande do Sul, Bahia, Espírito Santo. Essas regiões tem um monte de eucalipto plantado, pinos. Está se transformando num enorme celeiro de soja e pastagem. Resgatar uma parte do ecossistema para poder minimizar a temperatura, para ela poder dar uma refrescada.
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EMILIANO: Eu sou otimista no sentido de que eu acho que a nossa geração ainda vai ter, a próxima, acho que ainda vai ter chance de mudar o cenário, mas o cenário hoje é muito crítico, né? Porque a gente de fato não tem mais muita zona de amortecimento aí. Se a gente não conseguir fazer uma mudança de paradigma de como deve ser o desenvolvimento da Amazônia, a gente vai perder a Amazônia.
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THIAGO: Qualquer cientista que trabalhe com ambiente, ecologia, né, mudanças climáticas, vive uma montanha russa de sentimentos. Tem momentos que você fica completamente pessimista, tem momentos que você tem uma explosão de otimismo muito grande. O que eu tento pensar bem é que o mais importante é que realmente tem um engajamento, uma coisa que a gente tem buscado muito é o engajamento com as comunidades locais, são as pessoas que acho que tem a maior capacidade de realmente de proteger e fazer diferença nesses lugares, e que às vezes podem até não perceber o poder que elas têm, a importância que elas têm. Eu não estou falando só das comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, que são extremamente importantes, mas que a gente já sabe, que sempre tiveram um papel importante de proteção. Mas mesmo as pessoas que vivem nas áreas urbanas da região Amazônica, que elas reconheçam e tenham orgulho dessa ancestralidade e desse lugar que elas têm, que é maravilhoso, e que elas lutem para preservar e para manter isso, porque isso é um patrimônio, acima de tudo, delas, né. Sim, a Amazônia é um patrimônio do mundo, é. Mas ela é principalmente um patrimônio dos amazônidas. E quanto mais isso for claro pra todos, eu acho que mais chance a gente tem de proteger e preservar a Amazônia.
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LUCIANA: Não tem dinheiro para mitigar que vai dar certo. A gente tem que reduzir o estrago que nós estamos fazendo, porque nós estamos acelerando os eventos extremos. Então, se a gente não só não parar de acelerar, como ainda reflorestar uma parte, não temos esperança. A gente tá enxugando gelo.
RAFAEL: Os eventos climáticos extremos estão aí, a cada ano mais frequentes e mais extremos. E o resultado é trágico. Segundo Luciana, 27% das mortes ocasionadas por eventos climáticos extremos no Brasil, de 2013 a 2022, ocorreram em 2022. A tendência é piorar, se nada for feito. Como já foi dito nesta série, a COP 30 é, talvez, a última oportunidade para que as providências comecem a ser tomadas.
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CRÉDITOS
O podcast Trilhas Amazônicas é uma parceria entre a Agência Brasil e a Radioagência Nacional, dois serviços públicos de mídia da Empresa Brasil de Comunicação, a EBC.
A série abre o ano da Trigésima Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a COP30, que vai ser realizada em Belém, em novembro.
A equipe viajou a convite da CCR, patrocinadora do TEDx Amazônia 2024.
Não conseguimos recuperar o áudio da pesquisadora Luciana Gatti no TEDx Amazônia, então pegamos no Youtube a participação dela em uma reunião da Comissão Especial de Prevenção e Auxílio a Desastres Naturais da Câmara dos Deputados, em março de 2024.
A reportagem, entrevistas e apresentação foram minhas, Rafael Cardoso.
Adaptação, roteiro, edição e montagem de Akemi Nitahara.
Coordenação de processos e supervisão de Beatriz Arcoverde, que também faz a implementação web junto com Lincoln Araújo.
Mara Régia gravou a vinheta e os títulos dos episódios.
A trilha sonora original foi composta para nós por Ricardo Vilas.
Também utilizamos a música Japurá River, de Uakti e Philip Glass.
Identidade visual da equipe de arte da EBC.
RAFAEL: No próximo episódio, vamos trazer histórias de como a arte se mistura com a política e a luta contra a devastação da floresta e a crise climática.
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