O governo do Maranhão firmou um dos contratos mais caros da história recente da saúde pública do Estado. No dia 7 de novembro de 2025, a Secretaria de Estado da Saúde assinou um acordo de R$ 1,259 bilhão com o Instituto Acqua, organização social sediada em Santo André, São Paulo, para assumir o comando total do Hospital de Referência Estadual de Alta Complexidade da Região Tocantina. O contrato garante ao instituto um repasse mensal de R$ 20,9 milhões pelos próximos cinco anos, com possibilidade de prorrogação por mais cinco. É, na prática, um cheque em branco para uma entidade privada controlar um dos principais hospitais da rede estadual.
O documento mostra que o Acqua passa a deter poder amplo: contrata pessoal, terceiriza serviços, administra compras, movimenta recursos em contas bancárias próprias, gerencia corpo clínico e define o funcionamento interno do hospital. A SES assume um papel periférico, limitada a repassar o dinheiro e acompanhar relatórios enviados pela própria contratada. A estrutura criada praticamente transforma o instituto numa autarquia paralela, com acesso direto a um orçamento milionário e pouca interferência pública.
O tamanho do contrato impressiona não só pelo valor, mas pelo silêncio ao redor dele. A assinatura ocorreu à noite, com publicação discreta no Diário Oficial após um ofício interno datado de 10 de novembro. Não houve anúncio oficial, coletiva de imprensa, explicações técnicas ou justificativas públicas sobre a necessidade de contratar uma organização social por cifras tão altas. A fragilidade da comunicação institucional só alimenta as dúvidas.
Outro ponto que chama atenção é a flexibilidade financeira. O contrato permite aditivos sem limitação de montante, desde que o objeto formal não seja alterado. É justamente nesse tipo de cláusula que nascem distorções, expansões silenciosas de orçamento e manobras que, na prática, ampliam contratos sem qualquer concorrência adicional.
Mesmo movimentando mais de um bilhão de reais, é o próprio Instituto Acqua quem escolhe e contrata a auditoria externa responsável por fiscalizar seus gastos. O modelo de OS até prevê isso, mas a combinação entre autonomia financeira, poder de contratação e auditoria controlada pela entidade contratada cria um ambiente onde irregularidades podem passar despercebidas por longos períodos. Há riscos evidentes: relatórios tendenciosos, análises superficiais e fiscalização limitada àquilo que a própria instituição decide expor.
Não é a primeira vez que o Acqua entra no centro de controvérsias. Em outros estados, o instituto já enfrentou denúncias envolvendo atrasos de salários, falhas na execução de contratos e questionamentos sobre irregularidades administrativas. Nada disso aparece no contrato assinado pela SES. A fragilidade do histórico, somada ao tamanho do acordo no Maranhão, não pode ser tratada como detalhe irrelevante.
A importância do hospital para a Região Tocantina amplia ainda mais a responsabilidade. Trata-se de uma unidade estratégica, que atende parte da demanda de Imperatriz e de municípios vizinhos, inclusive de estados limítrofes. O que está em jogo não é apenas o orçamento, mas o impacto direto sobre o atendimento hospitalar de centenas de milhares de pessoas.
As cláusulas de suspensão, intervenção e rescisão até existem, mas funcionam mais como salvaguardas teóricas. Na prática, raramente são acionadas com a rapidez necessária. A experiência do Maranhão com organizações sociais já mostrou que, quando há problemas, a máquina pública demora a agir, gerando prejuízos assistenciais e financeiros difíceis de mensurar.
Em resumo, a SES assinou um contrato gigantesco, entregou a gestão plena de um hospital essencial a uma organização privada com histórico conturbado, estabeleceu um sistema frágil de fiscalização e deixou brechas para expansões financeiras sem concorrência. A falta de transparência no processo e o contraste entre o discurso de moralidade do governo e a realidade desse acordo tornam o caso ainda mais sensível.
A sociedade maranhense tem direito de saber o que está sendo pactuado com dinheiro público. Um contrato que ultrapassa R$ 1 bilhão não pode nascer dentro de gabinetes, às pressas e sem debate. O Blog do Werbeth Saraiva seguirá acompanhando cada movimentação desse acordo, especialmente porque ele reúne todos os elementos que, no passado, originaram escândalos duradouros na saúde do Maranhão.